segunda-feira, 9 de março de 2015

Les racines étaient innombrables et infinies dans leur variété et leur beauté et quelques unes étaient profondément enfoncées dans l'âme humaine - une aspiration incessante et tourmentée orientée en haut et en avant - un besoin d'infini, une soif, un pressentiment d'ailleurs, une attente illimitée


Enfia o cano do revólver Smith & Wesson de calibre 38 na boca e prime o gatilho. A bala não trespassa o crânio. Tinha sessenta e seis anos e dois prémios Goncourt. Estamos em 1980. Nem dezassete meses havia desde que a mulher americana do segundo casamento se entregara à gadanha com barbitúricos e álcool. Cuidadoso, deixa uma nota: «Aucun rapport avec Jean Seberg.» 

Herói da Resistência Francesa, escritor, diplomata, fumador inveterado e sedutor displicente*, quando traído pela mulher desafia o amante, Clint Eastwood, para um duelo de pistola. O cowboy americano recusa. Era assim Romain Gary.

Jean Seberg e Romain Gary em Veneza

Em 1978, respondendo à questão «E envelhecer?», declarava: 
«Catástrofe. Não vai acontecer. Nunca. Imagino que seja coisa atroz, mas, como sou incapaz de envelhecer, fiz um pacto com o senhor lá de cima, vocês conhecem? Um pacto nos termos do qual jamais ficarei velho.»
No opúsculo de quarenta e três páginas, Vie et mort d'Émile Ajar,** publicado após a sua morte, regista: 
«Escrevo estas linhas num momento em que o mundo, tal como gira neste último quarto de século, coloca a um escritor, cada vez com mais evidência, uma questão mortal para todas as formas de expressão artística: a da futilidade. Do que a literatura acreditou e quis ser durante tanto tempo — contribuição para o desenvolvimento do homem e o seu progresso — não resta nem sequer a ilusão lírica.»      

E termina com a frase:

«Je me suis bien amusé. Au revoir et merci.»


Romain Gary, 1956

Foi com Romain Gary que, algures entre os 15 e os 18 anos, li o primeiro romance amigo da fauna selvagem: As raízes do céu. Do livro, que ainda conservo, pouca memória guardo. Catalogado na adolescência teve um ISBN caseiro: AE - 16 (Autores estrangeiros, obra 16). ***

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*«La seule chose qui m'intéresse, c'est la femme, je ne dis pas les femmes, attention, je dis la femme, la féminité.», programa radiofónico em 1980. À sua imagem de sedutor responde: «C'est une image totalement bidon. Je dirais même que je suis organiquement et psychologiquement incapable de séduire une femme».
**Esclarecendo a mistificação do pseudónimo com que ganha o segundo Goncourt.
***Vem tudo isto, o autor e o livro, porque tropeço no romance agora reeditado pela Sextante (2014 é o ano do centenário do nascimento de Romain Gary). São 472 p. e € 17,70. Não existe sinal de que a tradução de João Belchior Viegas tenha sido revista.

2 comentários:

  1. Adoro os títulos de alguns dos teus posts.

    Dá-me azo a poder usar questões como "Já leste o "Les racines étaient innombrables et infinies dans leur variété et leur beauté et quelques unes étaient profondément enfoncées dans l'âme humaine - une aspiration incessante et tourmentée orientée en haut et en avant - un besoin d'infini, une soif, un pressentiment d'ailleurs, une attente illimitée" do Anão?" em conversas de circunstância.

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    1. É uma citação do livro, por isso está em itálico. No México, também de acordo com o autor, existe a expressão "árvore da vida", que o Malick rouba para titular o filme.

      Espero que a conversa de circunstância tenha dado em engate de jeito e assim possa dar por bem empregue o tempo da escrita.

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