Alexandra Lucas Coelho transforma o que seria um conto sofrível de vinte e cinco páginas em novela fodenga e vernacular* de cento e quarenta e duas.
Produzido em cativeiro,** O Meu Amante de Domingo foi incensado pelo choninhas do José Mário Silva***. Mesurento, José Riço Direitinho, fez doação de cinco estrelas.**** E Pedro Mexia gabou o trabalho. Sobre este último não estou seguro. De todo o modo, se não disse nada é como se tivesse dito — quem faz vénias aos filmes de Manoel de Oliveira é pessoa para elogiar qualquer coisa.
Nada me impele contra aquelas realidades: o enredo e a linguagem. Pelo contrário. Já se produziu literatura de respeito com actividades sexuais não reprodutivas e responsos acamados.***** E o acto em si — transformar uma coisa em outra — não é crime nem viola mandamentos literários. O romance light veio para ficar. O que incomoda é fazerem passar gato por lebre, ovas de sardinha por caviar. E a execução defeituosa. Os textos do suposto romance que a personagem principal nos dá a conhecer são execráveis. E desnecessários. O desfecho da história do caubói, e a sua motivação, estão ao nível de uma Corin Tellado.
À muita palha na escrita, acresce uma capa dura (para escapar ao formato de bolso) e colunas de texto em tamanho reduzido (para aumentar o número de páginas), que ajudam a encorpar o volume, fazê-lo crescer, e ser romance.
Nem tudo é mau. O livro atinge um pico de escrita entre as páginas 75 a 90 em sucessivos diálogos, com «o poeta futuro Nobel», bem construídos e humorados. Humor esse que pinga aqui e acolá:
Nada me impele contra aquelas realidades: o enredo e a linguagem. Pelo contrário. Já se produziu literatura de respeito com actividades sexuais não reprodutivas e responsos acamados.***** E o acto em si — transformar uma coisa em outra — não é crime nem viola mandamentos literários. O romance light veio para ficar. O que incomoda é fazerem passar gato por lebre, ovas de sardinha por caviar. E a execução defeituosa. Os textos do suposto romance que a personagem principal nos dá a conhecer são execráveis. E desnecessários. O desfecho da história do caubói, e a sua motivação, estão ao nível de uma Corin Tellado.
À muita palha na escrita, acresce uma capa dura (para escapar ao formato de bolso) e colunas de texto em tamanho reduzido (para aumentar o número de páginas), que ajudam a encorpar o volume, fazê-lo crescer, e ser romance.
Nem tudo é mau. O livro atinge um pico de escrita entre as páginas 75 a 90 em sucessivos diálogos, com «o poeta futuro Nobel», bem construídos e humorados. Humor esse que pinga aqui e acolá:
«Um dia uma gaja está com quarenta, toda a gente lhe dá trinta, e de repente faz cinquenta. Aí, toda a gente diz que os cinquenta são os novos trinta.[...] O que digo é, quero o meu pescoço de volta, caralho.»
«[...]Achei eu (a capacidade de as gajas acharem é impossível de satisfazer).»
Isto, era tudo o que pensava sobre o assunto. Já estava tudo muito bem arrumado na minha cabeça, na mesma gaveta das meias e do arrependimento de ter pago o equivalente a três garrafas de tinto para degustar uma personagem que teve um affair com um mecânico de tatuagem «no peito oposto ao do coração». Eis senão quando O Amante volta a atacar.
A pretexto das literaturas portuguesa e brasileira, na extensa entrevista de Paulo Moura, conduzida com muitos rapapés, a autora e compère, coniventes, promovem isentos de pudor ou vergonha, O Amante e o próximo livro da jornalista. Mas, usando a linguagem da autora, não é isso que me fode. A obsessão carnívora sim.
Em tempo: por manifesto desconcerto, ou início de senilidade vascular, não referi que a grande influência da autora, e sua bitch-mor, a personagem, obnubilada (adoro o vocábulo - lembra-me o autocarro para Chelas) por escudeiros e aias, responde por Reinaldo Moraes, autor de uma gigantesca suruba de quase seiscentas páginas. Pornopopeia é o seu nome, publicado entre nós em 2011 pela Quetzal. Alexandra escreveu peça entusiasmada: "Reinaldo Moraes: tesão ou morte". Incipit: «O pau de Zeca é o último dos duros». E quase a terminar: «A nós, última flor do felácio.» Não quis no entanto despedir-se sem a questão ontológica: «No meio de tanto calão, Zeca não tem mesmo uma palavra para minete? Quem diz Zeca, diz o Brasil.»
«Revejo-me muito na lógica do movimento antropofágico brasileiro, que vem dos índios. Comer o outro é uma forma de nos expandirmos.»Revisita assim a personagem d'O Amante que matuta sobre a personagem do livro que vai escrever (um velho truque). Também ela possui instintos canibais.
«Importante era a fúria, a luta armada, a pulsão de vida contra os filhos da puta. O livro seria uma espécie de antropofagia, ela comendo o inimigo para ficar mais forte, como uma tupi portuguesa no Verão de 2014.»Fiquei chateado, ora que caralho, logo na Sexta-Feira Santa, quando não se ingere carne a autora volta à sua obsessão de comer gente.
Em tempo: por manifesto desconcerto, ou início de senilidade vascular, não referi que a grande influência da autora, e sua bitch-mor, a personagem, obnubilada (adoro o vocábulo - lembra-me o autocarro para Chelas) por escudeiros e aias, responde por Reinaldo Moraes, autor de uma gigantesca suruba de quase seiscentas páginas. Pornopopeia é o seu nome, publicado entre nós em 2011 pela Quetzal. Alexandra escreveu peça entusiasmada: "Reinaldo Moraes: tesão ou morte". Incipit: «O pau de Zeca é o último dos duros». E quase a terminar: «A nós, última flor do felácio.» Não quis no entanto despedir-se sem a questão ontológica: «No meio de tanto calão, Zeca não tem mesmo uma palavra para minete? Quem diz Zeca, diz o Brasil.»
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*No sentido impróprio.
**«Nasceu da circunstância de eu estar numa casa, no meio do Alentejo, que era uma cozinha que se prolongava num quintal cercado por um muro.»
***«Se Joyce multiplicava o mundo, acrescentando camadas ao seu texto em vez de o rarefazer, como Beckett, então Alexandra neste livro está claramente mais próxima de Joyce, a quem de resto pede emprestado o artifício do fluxo de consciência.»
****«Há muitos anos que não aparecia na literatura portuguesa um livro assim.[...]É um livro que se inscreve de maneira perfeita numa certa tradição de plasticidade da linguagem narrativa da literatura portuguesa da segunda metade do século XX, e em que encontramos os nomes de Carlos de Oliveira, Nuno Bragança, José Cardoso Pires, alguma coisa de Augusto Abelaira, e a voz tão singular de Maria Velho da Costa.» Mas não escapa a erros factuais: «conduz um Lada Niva nas suas viagens dominicais a Lisboa para [...] ter encontros amorosos com um mecânico, o seu amante de domingo.» Em todo o livro, com o mecânico, apenas sucede um encontro com duas fodas, a primeira exageradamente rápida e a segunda no modo técnico de frango no espeto.
***** Confiteor: leio pouco e mal, deveria ter paciência para reler Os Buddenbrok. O mesmo não posso dizer sobre as últimas páginas do Correio da Manhã — embora, neste caso, ler seja manifestamente uma hipérbole.
Primeiramente, deixa-me expressar o orgulho que sinto por ter lido ali, algures, a minha expressão preferida/d'estimação ("olha que caralho"), a qual uso várias vezes ao dia.
ResponderEliminarAinda me lembro de ser o seu uso quase como que tabú, lembro-me de ter sido até, de certa forma, repreendida por ti, à conta do tanto que a aspergia, aqui e ali, sempre plena de seu significado. Ó, bons tempos.
Paneleirices à parte (´xa cá só limpar a lagrimita, pronto, já ´tá) e sobre o que escreves: Posso mandar-te uns livros que desconfio cá serem uma merda, pra depois tu, numa crítica assim singela, fazeres deles uma coisa que apetece ler?
Diga-se, em boa verdade, que usei o linguajar das gajas do Canidelo em homenagem à personagem do "romance", e à tua pessoa, a única que conheço que emprega com grande elegância o vocábulo "caray". Dito isto, não prescindo do direito de repreender os excessos.
EliminarAspergir não será o termo correcto. Acho que usavas mangueira, ou sistema automático de rega. Mas prontes. Já passou. Ó, bons tempos para ti também, depois veio a crise e lixou isto tudo.
Podes remeter o que entenderes, desde que saibas o seguinte: sou um slow reader (este é um livro de Novembro); preguiça-me escrever mais que três linhas, e os portes pagas tu.
(Desperdiças o talento que tens com o silêncio. Enfim)
Fico para aqui perdida em cogitações se os gajos da precoce ejaculação serão os críticos mencionados.
ResponderEliminarPor acaso não. Mas só por obra do acaso. Duração estimada pela autora, tanto quanto recordo, um minuto. Estudos científicos sérios estabelecem a média nos quatro minutos. Depois há variáveis. Bebedeiras também.
EliminarDou-te os meus parabéns, não só o leste, como ainda lhe fizeste a recensão :)
ResponderEliminarUm acto sacrificial, uma oferenda, quero apaziguar o Eros que vive em mim.
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