Nove mil milhões de euros, dizem, é o valor do capital imobilizado nos tribunais em pendências.
Se a estupidez consignasse alegria, Portugal seria um país de humoristas.
As pendências criminais são, efectivamente, uma desgraça; para as vítimas; para os inocentes; para as testemunhas. Para todos os envolvidos. Nos casos de corrupção, os que mais se arrastam, principalmente durante a investigação, e portanto, fora dos tribunais, são uma catástrofe para a dignidade de um povo.
As pendências administrativas que respeitam a situações pessoais (processos disciplinares, progressões na carreira, etc.), e a actos da administração com relevância económica (aprovações, indeferimentos, etc.), são também uma calamidade por motivos que não carecem de explicação.
Agora, senhores, as pendências fiscais e as cíveis, onde dizem encontrarem-se "congelados" os tais nove mil milhões, são a razão porque este país ainda funciona.
Antes de mais, as três medidas principais para "desbloquear" o problema são uma rematada asneira.
A primeira, task forces de juízes, com o fim exclusivo de despacharem os processos acumulados é uma boa ideia impraticável. De onde virão esses juízes? Dos tribunais onde já se encontram e fazem falta? Das instituições onde estão, fora da judicatura e já sem "mão processual"? Ou serão empreiteirados e sairão das novas fornadas de copistas? Novatos portanto? E, mesmo constituídas essas "bolsas de juízes de reacção rápida", o conhecimento dos processos é-lhes dado pelo Divino Espírito Santo? Chegam com o processo na mão, muitos com vários volumes, e despacham, e decidem, e dão sentenças? Despacham pela janela directamente para o rio? «Como está o processo senhor dr. Juiz?», «Seguindo o seu curso natural!». A isto vai ser interessante assistir.
A segunda, a futura avaliação dos juízes pela sua produtividade é encantadora. Se disso depender a progressão na carreira, ou enlouquecem de trabalho, ou fotocopiam sempre a mesma decisão. E como avaliar a qualidade das sentenças de quem decide muito, ou de quem decide menos mas, acertadamente, ou daqueles que por infelicidade na distribuição recebem os processos mais complicados e por isso morosos na tramitação ou no estudo? Espero que na senda deste processo avaliem os médicos do SNS pela evolução clínica do paciente e rapidez do processo que lhe deu alta.
A terceira, que conjuga o aumento do princípio da oralidade, simplificações processuais várias, maior utilização da arbitragem, limitação de recursos, aumento das custas processuais e juros moratórios (excedendo até os juros comerciais do mercado), é uma verdadeira bomba-relógio do aparelho judicial. E, um novo código de processo civil (e/ou penal), mesmo que apelidado de "revisão profunda", não é feito com acerto, nem em seis, nem em doze meses.
A combinação de todo o enunciado e a revolta legitima dos operadores judiciais vai empandeirar todo este processo.
Boa sorte dr.ª Paula Teixeira da Cruz! Bem merece.
Agora nós. Voltando ao início, os nove mil milhões não estão parados, porque nunca estiveram, assim:
- A parte em depósito na CGD, ou noutro banco, a aguardar decisão (o caso dos namorados do euromilhões), é utilizada na economia real pelos banco depositário, quer para os seus rácios de solvibilidade, quer para a sua actividade comercial, empréstimos, socorro do estado (BPN), etc.;
- Nas dívidas contestadas e não pagas, processo declarativo ou executivo, se há quem não recebeu, bem ou mal, há quem não tenha pago, conservando o capital e dele fazendo uso, em termos económicos o efeito é nulo;
- Nas dívidas fiscais o mesmo;
- Acresce a tudo isto que, para determinados devedores, o não pagamento representou uma moratória que lhes pode ter permitido, ou não, sair de dificuldades;
- Como quer que seja a maior parte das pendências são representadas por cobranças das operadoras de comunicações móveis e dívidas de pequena monta;
- Por último, na verdade ninguém sabe qual o montante financeiro da soma de todos os processos, o que fizeram para obter o valor indicado foi, limitarem-se a adicionar o valor, para efeitos de recurso, dos processos pendentes; ora, existem processos que, por respeitarem a direitos da personalidade, e para permitirem recurso (e maiores receitas em custas judiciais) têm valores elevados, sem que estejam em causa quaisquer quantias; ainda outros de carácter indemnizatório sofrem de maleita idêntica.
Tudo visto e ponderado ... enfiam-nos cada barrete!
Tudo certíssimo, além de revoltante para o cidadão comum, é desesperante para os outros profissionais do foro (este é o meu cliché!). Agora aquele caso dos namorados que mencionas é a estupidez da ganância, só em custas parte do prémio, que poderia ter sido gozado em ricas férias já se foi.
ResponderEliminarA Rita sabe ;)
ResponderEliminarA Rita identificou-se muito com este texto do anão. Posso falar por ela, uma vez que ela sou eu, e só achei graça falar agora na terceira pessoa.
ResponderEliminarSurpreendente a opinião tão fundamentada. Até parece que trabalhas nessa área.
ResponderEliminarTambém dizem que sou professor quando escrevo sobre educação. Ou gestor quando o faço para a economia. Outras vezes psicólogo. Ter uma família numerosa de gente inteligente é isto. Ou muitos predicados.
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