— Sempre foi?
— ...?
— Ao festival propaganda da edilidade.
— Sim. Pretende relatório?
— Dava jeito, para referência futura.
— Chute.
— Peixe?
— Não tinha a refeição decidida, vacilei entre a roulotte dos hot-dogs e a haute cuisine.
— E no que ficou?
— Sentado, com prato e talheres. E bebidas.
— Mopho e Orblua?
— Não faço ideia, jantava. Uma opção sensata, o ruído (é disso que se tratava) chegou esmaecido.
— Mazgani?
— Iraniano, canta em inglês para audiência portuguesa. Estica a voz além dos seus limites chegando ao falsete, ou apenas cantarola. Acordes jazzy e bluesy. Temas banais. Melhor nas versões cover.
— O Manuel Cruz?
— Comunicativo: «É isto!». Executa um instrumento cujo nome desconheço, uma espécie de pífaro com teclas, ligado à boca por um tubo. Ofereceram-me um, em aniversário longínquo, mas não vinha equipado com o tubo, daí a efémera carreira musical. Sofri três "faixas" com pretensões de originalidade e devaneios sonoros. É um caso que prova como a soma das partes (más) é (bem) maior que o todo.
— Rita Redshoes?
— Estava gira, carinha laroca, cabelo curto com mais volume no topo. Beijava-lhe o umbigo que o casaquinho curto, de lantejoulas encarnadas, deixou ver. Já as calças de fole, tipo palhaço rico, não gostei - deve ter as pernas magrinhas.
— Parvo, você! A música?...
— Ah!... isso. Se fecharmos os olhos e ela tocar as músicas do David Fonseca, ou vice-versa (imaginando que ele teve papeira na idade adulta) ninguém percebe.
— Os D'Alva?
— Buraka Som Sistema para pequeninos. Uma background vocal gira. É malta animada. Honestos no trabalho de palco. Querem o people a dançar. Não pregam filosofias de vida nem auto-ajuda.
— Sara Paço?
— Não ouvi. O espaço era pouco, estava apinhado e não vi nenhum par de mamas que chamasse por mim.
— Você é tarado por mamas?
— Nada, zero, niente, absolutely not, durchaus nicht, rien de rien. Excepto, obviamente, claro, se, como para todos os membros do sexo masculino elas me entrarem pelas vistas adentro.
— Isso é uma referência ao cognome do festival, Vila Adentro?
— Não, mas é bem pensado, um festival cá dentro, só com mamas.
— Bem... e os Deolinda?
— Som limpo, executantes exímios, intérprete com excelente voz, atrevida e boa presença em palco. O problema é o repertório, muito fadisteiro, depois da quarta canção parecem todas iguais.
— Virgem Suta?
— Estava longe do palco, vi muito mal.
— We Trust?
— Nope!
— Carlão?
— Tiques de vedeta pop. Surge de hoodie, carapuço enfiado. Charro na boca, e é ali, em palco, que "trava" as últimas passas. Retira o smartphone do bolso e joga-o, displicente, na mesa do DJ. Na audiência os mais novos são "os putos", todos os demais estão lá para venerar "o artista", saudar, levantar o braço, pular, gritarem, tudo a comando do homem do garruço. E sem serem pagos. Carrega um baixista, um vocalista, um multi-instrumentista e um DJ que faz um scratch que não lembra ao diabo. As rimas, quase todas terminadas em ão, destilam filosofia de Facebook e Chagas Freitas, refere carapinhas (apesar d'ele usar o cabelo rapado) e cabritas. Africanidade mal representada.
— Nada foi bom, nem sequer a stand-up comedy?
— Graçolas sobre refugiados sírios com uma só perna, sem-abrigo e dick pics não fazem o meu género. Mas foram apenas cinco minutos do primeiro interveniente.
— Mas não gostou de nada?
— Das minhas convicções; o som ao vivo, ao ar livre, é sempre mau, os "artistas" promovem constantemente "o último trabalho" de que ninguém quer saber. A audiência fala constantemente entre si e grita e guincha quando não está a engolir cerveja, soft drinks ou shots de tequila mexem-se, empurram. Fui mal habituado, a Aula Magna, sabe...?
— Bem, e o espaço, a organização?
Ruas estreitas, apinhadas, sobrelotação, quando ofegam junto ao meu pescoço espero sempre um bom motivo.
...
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