quarta-feira, 17 de abril de 2013

O atentado na maratona de Boston


Foi, antes de ser um acto cruel, um atentado à inteligência estratégica (se perpetrado por sujeito, ou grupo, de credo muçulmano, ou etnia árabe), qualidade nunca associada ao fanatismo religioso. 

Uma bomba, cuja alvo não consista em uma coluna militar, um político ou diplomata, uma instalação de potência inimiga, ou similar, é, do ponto de vista político e táctico (mesmo se terrorista), um erro: a batalha da opinião pública está irremediavelmente perdida. 

O atentado, com uma técnica artesanal destinada a produzir o maior número possível de vítimas -, atenta a proliferação de estilhaços - e nasceu com o terrorismo anarquista,  visa intimidar pelo terror. A colocação, um ajuntamento civil; a natureza do evento, um acontecimento desportivo; a multiplicidade de nacionalidades presente; a cobertura mediática; pretendeu um efeito: publicidade, a maior possível.

O autor, ou os autores, munidos de bombas caseiras, panelas de pressão cheias a pregos sem cabeça e esferas de metal, causaram, segundo a contagem mais recente, três mortes e aproximadamente 180 feridos, 17 em estado grave, e 13 com amputações confirmadas.

O acto não foi reivindicado. Sem indícios de outra natureza (as buscas à residência de estudantes sauditas, apenas porque um deles morreu junto à meta, revelam preconceito), o método, semelhante ao utilizado no Iraque e Afeganistão, não permite tirar conclusões sobre a autoria. Os americanos não avançaram, até ao momento, qualquer ligação da Al-Qaeda ao atentado. 

Ainda hoje, é possível encontrar na Internet instruções para o fabrico de bombas caseiras, como as que foram despoletadas em Boston. Poucos são os que o fazem, e, menos ainda os que possuem a motivação, a vontade, e a audácia de as construir ou utilizar. Por esse motivo, nem sequer possuo intuição da origem, doméstica ou estrangeira, dos bombistas. Neste particular bem acompanhado pelos, gen. Garcia Leandro e, o duas vezes ministro, Nuno Severiano Teixeira, ambos: «não sabemos nada, mas penso que», em sintonia. É assim o jornalismo televisivo da SICN e dos canais "exclusivamente noticiosos": na ausência de factos novos, a cada cinco minutos, convidam-se comentadores para elaborarem raciocínios sobre generalidades.

Voltemos ao primeiro parágrafo e expliquemos. Provando-se qualquer ligação árabe ao atentado, que nem carece de ser a desmembrada Al-Qaeda, o número de vítimas civis será multiplicado por milhares. Os EUA irão perseguir autores, cúmplices e apadrinhadores por todo o planeta, sem olhar a meios, consequências, e, mais importante ainda, danos colaterais.

Relembremos. A família Bush que deu dois presidentes à América, hoje escondida nas moitas, em nome das inexistentes, mas famigeradas, "armas de destruição maciça" (e realmente motivada por considerações geoestratégicas de recursos naturais e política económica interna) fez duas guerras no Iraque (eliminando um tampão ao avançar do fundamentalismo islâmico e provocando uma guerra civil), nesse caminho matando, na perspectiva conservadora da Reuters, desde 2003, entre 103.536 a 113.125 civis. Outras fontes aproximam esse número de 123.000, a que se podem adicionar mais 12.000 por análise dos ficheiros do processo Wikileaks. 

É forçoso reconhecer que as vitimas civis apenas revoltam as consciências dos elementos do complexo industrial político-militar americano, quando possuem a mesma nacionalidade. Outras são estatística.

Continuando. A provar-se que o acto criminoso teve mão estrangeira, a matança de civis prosseguirá a bom ritmo. Tudo com a ajuda de uma boa cobertura jornalística, já possuidora do lead, o seu título de caixa alta: a família de Martin Richard (falecido, a mãe padece de lesão cerebral grave, a irmã sofreu a amputação de uma perna, o pai, corredor da maratona, e o filho mais velho escaparam ilesos), será a face que humaniza e legitima a vingança e o assassinato (se quisermos ser moderados chamemos a esses actos execuções sumárias), de estrangeiros em solo estrangeiro, violando todas as leis internacionais dignas desse nome. Tudo executado no conforto do lar, sem baixas americanas, desde Langley, Virgínia, na sede da CIA, onde são controlados os drones assassinos(Predators ou Reapers). Estes, por cada alegado terrorista executado, abatem 50 civis. O número resulta de um estudo do prestigiado Columbia Law School’s Human Rights Institute

Obama que autoriza, como nem George W. Bush se atreveu, a utilização de drones - «since Obama took office three years ago, between 282 and 535 civilians have been credibly reported as killed including more than 60 children»-, pretende aumentar ainda mais o programa que determina o seu número e raio de acção. Os seus aliados democratas, no Congresso, dedicam-se à contra-informação sobre o número de baixas civis.

Apenas no Paquistão, onde a CIA actua com impunidade, e mesmo com autonomia da presidência, já terão sido liquidadas, desde 2004, cerca de 3110 pessoas, destas, apenas 47, 1,5%, serão terroristas de nomeada. Entres os mortos encontram-se 175 crianças. 69 delas foram mortas em 30 de Outubro de 2006, no bombardeamento de uma madrassa (escola religiosa), erradamente identificada pelos serviços secretos como um campo de treino talibã. Ataques são ordenados a locais onde se encontram equipas de salvamento e mesmo durante funerais

Em nenhum caso vi, como neste, o Secretário-Geral das Nações Unidas vir a público lamentar o sucedido.

Em conclusão: o atentado bombista se, acertadamente ou não, for ligado a origens estrangeiras, obviamente islâmicas, muitos mais civis, muitos mais, de outras nacionalidades, pagarão, com a vida, o preço que os americanos vierem a estabelecer para o acto, inominável, que alguns, poucos, cometeram. Aos olhos da lei, terrena ou divina, não existem vidas mais dignas que outras.


Mais ainda, quem temeu a SOPA como atentado às liberdades civis, na América e no mundo, que se aterrorize agora perante a CISPA. Não tarda a chegar.

Para finalizar, "demagogia" taxista: em cada país intervencionado pelo FMI, a taxa de mortalidade aumenta, em média, 10%, durante os cortes sempre exigidos nos serviços nacionais de saúde (os seguros e o resseguro internacional sempre foram um bom negócio) - não há maior terrorista que a finança internacional. 

 

Declaração de interesses: admiro particularmente os EUA (um país que apresenta as duas faces de todas as moedas existentes), em especial a sua literatura, o seu cinema, alguma da sua música, e viveria alegremente em Nova Iorque. Infelizmente nada disto exclui os factos. São os americanos (naquele que é o país com maior liberdade de imprensa no planeta), e algum do seu jornalismo, que estabelece o canône das boas práticas e do fact checking, que nos ensinam.


7 comentários:

  1. O mundo voltar a deixar de ser novamente o mesmo, como deixou após o estoiro das twin towers e do pentágono. Será mais um motivo para matar na conhecida desproporção, só porque se é americano e se pode. Se é americando e tudo se pode.

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  3. O que consigo dizer neste momento é, que todos os elementos da minha família (um deles frequenta a BU) que lá vivem, encontram-se de boa saúde.

    Em relação aos EUA, resumo tudo a: É um país que tem tudo de bom e tudo de mau. Por isso é que me continua a atrair, seduzir e a fascinar. Anão, a viver, viveria em Boston. ;0)

    Nota: Ao contrário do que se passa aqui em Portugal, nos EUA não tenho ninguém que esteja desempregado. É um país que tem várias crises cíclicas, mas consegue sempre reerguer-se e reinventar-se.

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    1. Em Portugal também não existem Guantânamos, Carla... ;)

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  4. Já se sabe que esteve por detrás das bombas nas panelas de pressão!!!!

    http://www.teleculinaria.pt/content.aspx?menuid=72&eid=6806


    :D

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