A SIC Notícias emitiu esta quarta-feira, já depois do anúncio de José Sócrates, um programa dedicado a temas económicos, conduzido pelo jornalista José Gomes Ferreira, e em que coube a Alexandre Soares dos Santos o papel de entrevistado. Para quem não sabe, Gomes Ferreira, é o principal comentador económico dos noticiários da SIC generalista. Informado, modesto nas apreciações, falta-lhe em ousadia, inteligência, o que lhe sobra em seguidismo.
Não é culpa dele, é minha, mas, existem opiniões (disfarçadas de questões), propaladas na comunicação social, que me encanitam particularmente. Entre elas contam-se as que versam: "a rigidez da nossa legislação laboral”; “a regionalização urgente”; “a importância das licenciaturas de Bolonha para o mercado de trabalho e as empresas”; “a qualidade do nosso ensino universitário” e outras.
Desta vez coube ao citado Gomes Ferreira buscar apoio no empresário para uma opinião muito em voga e que a ele, jornalista, lhe é particularmente querida. O economista inquiriu Soares dos Santos (naquele jeito tão em voga de perguntador ansioso pela validação do seu juízo): “Não deveriam os cursos universitários, sem saída profissional no mercado de trabalho serem encerrados, como por exemplo, os cursos de Letras, de que as empresas não necessitam?”
Esta opinião, disfarçada de pergunta, desgosta-me profundamente. Não direi que me enoja, porque acredito que a intenção não tenha sido propalar uma concepção errada de sociedade, ou escamotear deliberadamente dados essenciais sobre a matéria. Trata-se apenas de falta de conhecimento, perspicácia e cultura democrática. A formatação da realidade, comum a jornalistas, políticos e decisores, a quem vive entre jornais, televisões, Internet e meios profissionais intoxicados pelas agências de comunicação, grupos económicos e de interesses, impede uma visão clara e facilita a rendição da liberdade individual.
O empresário, a quem daria todo o jeito concordar, respondeu que não. Na opinião dele, os bons profissionais não carecem de trabalhar exclusivamente na área da sua formação académica. Informou que na empresa onde iniciou a sua vida profissional, os profissionais do marketing, provinham do curso de filosofia - os que se mostravam mais aptos a entender o cliente -, que os licenciados em direito são muito bons para recursos humanos, e juntou outros argumentos. Gomes Ferreira pela expressão facial mostrava discordar, não se atreveu contudo a desdizer o ilustre convidado.
Soares dos Santos está certo. A pergunta do economista mistura o que não se pode misturar. Serei sintético num assunto que merece outro desenvolvimento.
Encerrar cursos universitários sem saídas profissionaIS? NÃO!
Aspectos formais:
· A tutela do Estado sobre as universidades privadas não compreende a possibilidade de eliminar as licenciaturas que lhe aprouver;
· Com toda a probabilidade, mesmo recorrendo a alterações legislativas, existiriam pesadas indemnizações a pagar;
· No ensino público haveria que alterar a legislação específica do sector, em especial a autonomia universitária (o que só por si não seria mau, se atentarmos nas barbaridades cometidas, infelizmente o Ministério que tutela a área não demonstra maior senso);
· As questões de empregabilidade não são lineares, o director do curso de Gestão da Universidade Nova, apregoa uma empregabilidade de 99% em seis meses; outros cursos, de outras universidades, encontram-se próximas de zero.
Aspectos substanciais:
· Não é atribuição do Estado limitar artificialmente, por necessidade de terceiros, as opções individuais de cada um dos seus cidadãos, muito menos na educação, assistir-se-ia aqui a uma intromissão violentíssima na esfera privada, ao estado compete informar, ao cidadão escolher;
· Nem o Estado, nem os cidadãos existem para satisfazer as necessidades das empresas, o Estado prossegue fins e interesses colectivos (uma palavra que assusta na era do liberalismo selvagem, quando se pretende substituir o interesse comum, por uma esmola disfarçada de “solidariedade social”), a não ser assim a máquina governamental limitar-se-á a constituir uma linha de montagem de trabalhadores; pequeninos robôs em fila indiana, vejam Metrópolis de Fritz Lang;
· Eliminam-se os cursos de literaturas, línguas, direito, filosofia, psicologia, sociologia (Ai! Maria de Lurdes Rodrigues!), arqueologia, antropologia, e também os de matemática pura, física teórica, astronomia, astrofísica e todos os ramos da ciência não experimental, ou sem aplicação empresarial imediata? Não? Porque são cientificas? Mais importantes que a filosofia, ou qualquer outro ramo do conhecimento? Quem determina essa relevância? A economia? Um dos cursos a par da gestão com menor taxa de empregabilidade. A economia que muitos economistas consideram, eles próprios, uma ciência social perto da adivinhação e que nunca conseguiu prever qualquer crise? O Estado, ao serviço das empresas, motivadas pelo lucro?
No dia em que as universidades se tornarem escolas de formação profissional, deixará de haver universidade.
ResponderEliminarMas José Gomes Ferreira não sabe o que é uma universidade.
Tenho o José Gomes Ferreira em grande consideração como jornalista e analista de economia. É das poucas vozes esclarecidas na área que consegue efectivamente traduzir aquela linguagem propositadamente fechada e simplificá-la de modo a fazer passar informação.
ResponderEliminarPor essa via, dou-lhe o benefício da dúvida.
Dou-lho, apesar de ser de Línguas e Literaturas Modernas - Estudos Portugueses e estar a escrever isto numa empresa de software de gestão de bibliotecas onde dou formação e faço consultoria.
Sendo eu formada na área de Línguas e Literaturas Modernas variante Estudos Portugueses e ,tendo a sorte (ou mérito) de trabalhar nela,já estou habituada a esse tipo de discurso.Sempre existiu e sempre irá existir.
ResponderEliminarMaria Amaral
Mau... Queres ver que és da Nova e eu te conheço...?
ResponderEliminar:)
Por acaso foi para lá que entrei nos idos 92, mas só fiquei até ao 2º ano do curso, depois vim para o Porto e terminei aqui o curso:).
ResponderEliminarAndaste por lá em que altura?
Maria Amaral
Concordo em absoluto com a liberdade que temos de ter na decisão do nosso futuro, neste caso da nossa formação académica.
ResponderEliminarConcordo, também, que não somos "obrigados" a ter como profissão o resultado da nossa licenciatura.
Mas acho criminoso que o estado permita que se "abram" cursos (estatais e/ou privados) que sabemos à partida que não terão alguma saída profissão.
Não precisam de acabar com os cursos basta diminuir a quantidade de vagas.
Isto só revela falta de estratégia: "vamos deixar os "meninos" bem-dispostos a estudarem o que quiserem que mais tarde o problema é deles..."
Na Suécia ainda admito que isso seja possível mas num país na bancarrota...
Foi aí pelas calendas de 99.
ResponderEliminar- Mas ficas a saber que a secretária de estudos portugueses morreu no escritório.
E o corpo esteve lá 2 semanas, até finalmente darem com ele.
Presumo que não tenhas assim muita pena. Acho que ninguém teve, coitada...
Anónimo,
ResponderEliminarÉs o José Gomes Ferreira, não és?
- Venha de lá esse abraço!
hahahaha, Grilu!
ResponderEliminarCarla
Tiagugrilu, sinceramente não me lembro da criatura, e se não me lembro , é porque não vale a pena.
ResponderEliminarDe qualquer dos modos no 1º ano tive aulas na Defensor de Chaves. Ainda não existia o edifício novo na Av.de Berna,éramos uns desterrados:), valiam as aulas com o Rui Zink.Se andaste por lá em 99, já não nos cruzámos obviamente.De qualquer das formas somos uma espécie de colegas, mais não seja por termos tirado uma daquelas licenciaturas que, aos olhos de muitos, não serve para nada:):).
Maria Amaral
"Não compete ao Estado limitar artificialmente, ou por necessidades de terceiros as opções individuais de cada um dos seus cidadãos, muito menos na educação, assistir-se-ia aqui a uma intromissão violentíssima na esfera privada, ao estado compete informar, ao cidadão escolher"
ResponderEliminarestá tudo dito.
Alguns bancos do país em que estudei, vinham à nossa faculdade (LETRAS) recrutar e falar com os novos alunos sobre a possibilidade de, ao terminarmos o nosso curso, de irmos trabalhar para eles.
Conheci a directora de um banco que dizia que nos preferia aos alunos de ciências económicas.
Eu nunca trabalhei na minha área, e sempre fiz um bom trabalho.
Maria Amaral,
ResponderEliminarPelos vistos o curso não mudou muito desde que passaste por lá. As aulas com o Zink continuam (pelo que sei) a ser das poucas coisas que se aproveitam.
Tive a sorte (trazida por Bolonha, curiosamente...) de poder frequentar cadeiras de qualquer curso, pelo que aproveitei a possibilidade de ter aulas com o Alberto Pimenta.
Grande Professor.
Sei que este post já é antigo, mas é deveras interessante e está, como todos os outros, muitíssimo bem escrito.
ResponderEliminarConcordo contigo no que diz respeito à livre opção de cada um escolher o curso que quer fazer; mas não nos podemos alhear da realidade. O número de vagas dos cursos sem qualquer empregabilidade é enorme! Serve apenas para receber propinas de eternos sonhadores e contínuos dependentes dos pais. Sim, é verdade que deveriam ser os jovens, juntamente com os seus encarregados de educação, que deveriam ter a noção de juntar o sonho com a realidade. Tentar encontrar um meio termo, ou pelos menos terem noção dos que os espera. Caso contrário, estamos a pagar impostos e eles estão a pagar propinas (cada vez mais altas) e tudo isto para criar jovens frustrados, desempregados e desiludidos.
Mas a tua questão é pertinente e também não concordo que as universidades devam criar trabalhadores em serie. Em vez de acabar com as áreas, urge adaptá-las e aprofundá-las à realidade. Muita falta fazem os filósofos...
Obrigado. Hoje nesta data já nem sei o que pensar. Mas, é verdade os filósofos fazem falta. Muita.
Eliminarobrigada pela resposta :)
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