“Identifiquei uma mulher-furacão ainda em brisa suave, bastou um sopro com aroma de frutos silvestres.”
Era essa a brisa que soprava da noite quando a mulher-furacão desatou a fivela dos sapatos. Das amoras, não restava mais do que cachos secos e molhados. As silvas gotejavam e a água ia ensopando a terra em dó maior. A blusa aberta. E o vento não era mais do que o som dos sapatos que a mulher atirou para o lado, cansada dos pensamentos que trazia com ela. Dos conflitos do corpo e da correria louca pela azinhaga. O brilho da calçada não era nem fresco nem quente, apesar de molhado e da incidência dos néones da cidade. Confundiam-lhe a mente as tonalidades das folhas dos plátanos. Correu para o asfalto descalça, disposta a deixar que em si se consumasse a atracção dos opostos. Já não chegavam até ela os aromas suaves dos frutos silvestres. Tinha-os engolido, num só trago, no fim de Setembro, à hora da sesta. “Existem dádivas que fazem o seu caminho dentro de nós e nos sobreviverão. “ O sabor do suco da madressilva, no fim de esmagado, na testa e nos lábios. Não é em vão que a língua os procura e os enrola na boca. Sobrevirão os efeitos da secura dos lábios no fim de degustados. Por dentro, os espasmos sucedem-se. Um só botão deixa o caminho a aberto. O feitio da blusa é uma via sinuosa e intrépida. Para onde atirou a mulher-furacão os sapatos? Precisa deles para andar dentro dela. Embriagou-se da noite e da recordação do sabor dos frutos silvestres. Também tirou as calças e as meias. As pernas, completamente desnudadas, são o caminho mais directo para os seios. Os seios, dentro dela, as pernas a falarem deles aos encontrões com a ilusão de que se lhe cria no corpo, açaimado pelo tempo, a ilusão da alma. Não parece, mas está. O que é que significa uma blusa aberta quando se percorre espavorida, à noite e à chuva, o espaço cru de uma azinhaga? Sobrevirão, sim, os caminhos traçados antes da discórdia. A dádiva: a mulher descalça, ainda com a marca dos frutos silvestres a percorrerem-lhe o interior do corpo. Puro e selvagem! “Noite em que bebo o que sonhas, enquanto aguardo o amanhecer, de peito abraçado nessas costas.” Cortou por um atalho, o mesmo de sempre, e meteu-se pela noite adentro. Sentou-se no chão, rente ao muro, que dava para o alpendre da casa da Boiça, descalça, sapatos, afinal, tinha-os encontrado, e meias na mão. A blusa aberta e o peito a arfar. De que fugia ela? Nem ela sabia ao certo. Beber os sonhos dos outros e transformá-los em realidade. Era demais. Não acreditava! Ainda se fosse beber os seus próprios sonhos… Sentia a cabeça a estalar. Mas onde é que ela tinha ouvido que alguém lhe queria beber os sonhos de peito abraçado às suas costas? Não. Só podia ser ilusão. Ela é que tinha inventado aquilo tudo. A chuva apertava, mas ela sentia-se bem assim. Sujou os pés, esfregou-os bem no rego de água de cor negra que passava entre a terra amanhada. Depois, lembrou-se que ainda conservava algo num dos bolsos das calças. Era o cacho seco das amoras. Tinha andado com ele de um lado para o outro, enquanto aquela agitação febril a fazia percorrer os mesmos espaços. Da azinhaga para a Boiça e da Boiça para a azinhaga. “Mulher-furacão!” Essa agora era demais. Mas era isso mesmo que ela era. Em dó menor! Deitou, no rego de água, o cacho seco das amoras e misturou tudo com a ajuda dos pés. Levantou-se e entrou em casa. Acendeu a lareira e deixou-se ficar. A loucura havia de lhe passar… Só ficaria o caminho percorrido e aquela entrega quase irracional a um destino que já lá vinha de trás: não era criança, nem menina, não era nova nem velha, não era casada nem era solteira, não era néscia nem virtuosa. Não era nada! Nem homem nem mulher. Era, simplesmente, um ser humano. Quando o sono chegasse, despir-se-ia por completo. Adormeceriam com ela todos os despojos, se é que ainda restava algum, dos aromas a frutos silvestres e a madressilva. 27-10-2012 Isabel Vieira
As frases que estão entre aspas são da tua autoria. Fiz isto com uma foto minha, com a blusa aberta... Linda a foto! Despudoradamente eu,contra todas as circunstâncias.
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ReplyDeleteTá onde a melancolia? Guardada no espacinho pra pôr o lápis?
ReplyDeleteTanto esplendor e não há homens por perto...tsc tsc tsc
ReplyDelete“Identifiquei uma mulher-furacão ainda em brisa suave, bastou um sopro com aroma de frutos silvestres.”
ReplyDeleteEra essa a brisa que soprava da noite quando a mulher-furacão desatou a fivela dos sapatos. Das amoras, não restava mais do que cachos secos e molhados. As silvas gotejavam e a água ia ensopando a terra em dó maior.
A blusa aberta. E o vento não era mais do que o som dos sapatos que a mulher atirou para o lado, cansada dos pensamentos que trazia com ela. Dos conflitos do corpo e da correria louca pela azinhaga.
O brilho da calçada não era nem fresco nem quente, apesar de molhado e da incidência dos néones da cidade. Confundiam-lhe a mente as tonalidades das folhas dos plátanos.
Correu para o asfalto descalça, disposta a deixar que em si se consumasse a atracção dos opostos. Já não chegavam até ela os aromas suaves dos frutos silvestres. Tinha-os engolido, num só trago, no fim de Setembro, à hora da sesta.
“Existem dádivas que fazem o seu caminho dentro de nós e nos sobreviverão. “
O sabor do suco da madressilva, no fim de esmagado, na testa e nos lábios. Não é em vão que a língua os procura e os enrola na boca. Sobrevirão os efeitos da secura dos lábios no fim de degustados. Por dentro, os espasmos sucedem-se. Um só botão deixa o caminho a aberto. O feitio da blusa é uma via sinuosa e intrépida.
Para onde atirou a mulher-furacão os sapatos? Precisa deles para andar dentro dela. Embriagou-se da noite e da recordação do sabor dos frutos silvestres. Também tirou as calças e as meias. As pernas, completamente desnudadas, são o caminho mais directo para os seios.
Os seios, dentro dela, as pernas a falarem deles aos encontrões com a ilusão de que se lhe cria no corpo, açaimado pelo tempo, a ilusão da alma. Não parece, mas está. O que é que significa uma blusa aberta quando se percorre espavorida, à noite e à chuva, o espaço cru de uma azinhaga?
Sobrevirão, sim, os caminhos traçados antes da discórdia. A dádiva: a mulher descalça, ainda com a marca dos frutos silvestres a percorrerem-lhe o interior do corpo. Puro e selvagem!
“Noite em que bebo o que sonhas, enquanto aguardo o amanhecer, de peito abraçado nessas costas.”
Cortou por um atalho, o mesmo de sempre, e meteu-se pela noite adentro. Sentou-se no chão, rente ao muro, que dava para o alpendre da casa da Boiça, descalça, sapatos, afinal, tinha-os encontrado, e meias na mão. A blusa aberta e o peito a arfar. De que fugia ela? Nem ela sabia ao certo. Beber os sonhos dos outros e transformá-los em realidade. Era demais. Não acreditava! Ainda se fosse beber os seus próprios sonhos… Sentia a cabeça a estalar. Mas onde é que ela tinha ouvido que alguém lhe queria beber os sonhos de peito abraçado às suas costas? Não. Só podia ser ilusão. Ela é que tinha inventado aquilo tudo.
A chuva apertava, mas ela sentia-se bem assim. Sujou os pés, esfregou-os bem no rego de água de cor negra que passava entre a terra amanhada. Depois, lembrou-se que ainda conservava algo num dos bolsos das calças. Era o cacho seco das amoras. Tinha andado com ele de um lado para o outro, enquanto aquela agitação febril a fazia percorrer os mesmos espaços. Da azinhaga para a Boiça e da Boiça para a azinhaga. “Mulher-furacão!” Essa agora era demais. Mas era isso mesmo que ela era. Em dó menor! Deitou, no rego de água, o cacho seco das amoras e misturou tudo com a ajuda dos pés.
Levantou-se e entrou em casa. Acendeu a lareira e deixou-se ficar. A loucura havia de lhe passar… Só ficaria o caminho percorrido e aquela entrega quase irracional a um destino que já lá vinha de trás: não era criança, nem menina, não era nova nem velha, não era casada nem era solteira, não era néscia nem virtuosa. Não era nada! Nem homem nem mulher. Era, simplesmente, um ser humano.
Quando o sono chegasse, despir-se-ia por completo. Adormeceriam com ela todos os despojos, se é que ainda restava algum, dos aromas a frutos silvestres e a madressilva.
27-10-2012
Isabel Vieira
As frases que estão entre aspas são da tua autoria. Fiz isto com uma foto minha, com a blusa aberta... Linda a foto! Despudoradamente eu,contra todas as circunstâncias.
ReplyDelete:)
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