A moça mostrava a coxa, a moça mostrava a nádega, só não mostrava aquilo - concha, berilo, esmeralda - que se entreabre, quatrifólio, e encerrra o gozo mais lauto, aquela zona hiperbórea, misto de mel e de asfalto, porta hermética nos gonzos de zonzos sentidos presos, ara sem sangue de ofícios, a moça não me mostrava. E torturando-me, e virgem no desvairado recato que sucedia de chofre á visão dos seios claros, qua pulcra rosa preta como que se enovelava, crespa, intata, inacessível, abre-que-fecha-que-foge, e a fêmea, rindo, negava o que eu tanto lhe pedia, o que devia ser dado e mais que dado, comido. Ai, que a moça me matava tornando-me assim a vida esperança consumida no que, sombrio, faiscava. Roçava-lhe a perna. Os dedos descobriam-lhe segredos lentos, curvos, animais, porém o maximo arcano, o todo esquivo, noturno, a tríplice chave de urna, essa a louca sonegava, não me daria nem nada. Antes nunca me acenasse. Viver não tinha propósito, andar perdera o sentido, o tempo não desatava nem vinha a morte render-me ao luzir da estrela-dalva, que nessa hora já primeira, violento, subia o enjoo de fera presa no Zôo. Como lhe sabia a pele, em seu côncavo e convexo, em seu poro, em seu dourado pêlo de ventre! mas sexo era segredo de Estado. Como a carne lhe sabia a campo frio, orvalhado, onde uma cobra desperta vai traçando seu desenho num frêmito, lado a lado! Mas que perfume teria a gruta invisa? que visgo, que estreitura, que doçume, que linha prístina, pura, me chamava, me fugia? Tudo a bela me ofertava, e que eu beijasse ou mordesse, fizesse sangue: fazia. Mas seu púbis recusava. Na noite acesa, no dia, sua coxa se cerrava. Na praia, na ventania, quando mais eu insistia, sua coxa se apertava. Na mais erma hospedaria fechada por dentro a aldrava, sua coxa se selava, se encerrava, se salvava, e quem disse que eu podia fazer dela minha escrava? De tanto esperar, porfia sem vislumbre de vitória, já seu corpo se delia, já se empana sua glória, já sou diverso daquele que por dentro se rasgava, e não sei agora ao certo se minha sede mais brava era nela que pousava. Outras fontes, outras fomes, outros flancos: vasto mundo, e o esquecimento no fundo. Talvez que a moça hoje em dia... Talvez. O certo é que nunca. E se tanto se furtara com tais fugas e arabescos e tão surda teimosia, por que hoje se abriria? Por que viria ofertar-me quando a noite já vai fria, sua nívea rosa preta nunca por mim visitada, inacessível naveta? Ou nem teria naveta...
Carlos Drummond de Andrade
(eu sei q já percebeste q gosto da poesia dele :p)
Poesia Matemática “Às folhas tantas do livro matemático um Quociente apaixonou-se um dia doidamente por uma Incógnita. Olhou-a com seu olhar inumerável e viu-a do ápice à base uma figura ímpar; olhos rombóides, boca trapezóide, corpo retangular, seios esferóides. Fez de sua uma vida paralela à dela até que se encontraram no infinito. “Quem és tu?”, indagou ele em ânsia radical. “Sou a soma do quadrado dos catetos. Mas pode me chamar de Hipotenusa.” E de falarem descobriram que eram (o que em aritmética corresponde a almas irmãs) primos entre si. E assim se amaram ao quadrado da velocidade da luz numa sexta potenciação traçando ao sabor do momento e da paixão retas, curvas, círculos e linhas sinoidais nos jardins da quarta dimensão. Escandalizaram os ortodoxos das fórmulas euclidiana e os exegetas do Universo Finito. Romperam convenções newtonianas e pitagóricas. E enfim resolveram se casar constituir um lar, mais que um lar, um perpendicular. Convidaram para padrinhos o Poliedro e a Bissetriz. E fizeram planos, equações e diagramas para o futuro sonhando com uma felicidade integral e diferencial. E se casaram e tiveram uma secante e três cones muito engraçadinhos. E foram felizes até aquele dia em que tudo vira afinal monotonia. Foi então que surgiu O Máximo Divisor Comum freqüentador de círculos concêntricos, viciosos. Ofereceu-lhe, a ela, uma grandeza absoluta e reduziu-a a um denominador comum. Ele, Quociente, percebeu que com ela não formava mais um todo, uma unidade. Era o triângulo, tanto chamado amoroso. Desse problema ela era uma fração, a mais ordinária. Mas foi então que Einstein descobriu a Relatividade e tudo que era espúrio passou a ser moralidade como aliás em qualquer sociedade.”
O Hugo vai longe, vai.
ResponderEliminarahahahahahahahha
ResponderEliminarA moça mostrava a coxa
ResponderEliminarA moça mostrava a coxa,
a moça mostrava a nádega,
só não mostrava aquilo
- concha, berilo, esmeralda -
que se entreabre, quatrifólio,
e encerrra o gozo mais lauto,
aquela zona hiperbórea,
misto de mel e de asfalto,
porta hermética nos gonzos
de zonzos sentidos presos,
ara sem sangue de ofícios,
a moça não me mostrava.
E torturando-me, e virgem
no desvairado recato
que sucedia de chofre
á visão dos seios claros,
qua pulcra rosa preta
como que se enovelava,
crespa, intata, inacessível,
abre-que-fecha-que-foge,
e a fêmea, rindo, negava
o que eu tanto lhe pedia,
o que devia ser dado
e mais que dado, comido.
Ai, que a moça me matava
tornando-me assim a vida
esperança consumida
no que, sombrio, faiscava.
Roçava-lhe a perna. Os dedos
descobriam-lhe segredos
lentos, curvos, animais,
porém o maximo arcano,
o todo esquivo, noturno,
a tríplice chave de urna,
essa a louca sonegava,
não me daria nem nada.
Antes nunca me acenasse.
Viver não tinha propósito,
andar perdera o sentido,
o tempo não desatava
nem vinha a morte render-me
ao luzir da estrela-dalva,
que nessa hora já primeira,
violento, subia o enjoo
de fera presa no Zôo.
Como lhe sabia a pele,
em seu côncavo e convexo,
em seu poro, em seu dourado
pêlo de ventre! mas sexo
era segredo de Estado.
Como a carne lhe sabia
a campo frio, orvalhado,
onde uma cobra desperta
vai traçando seu desenho
num frêmito, lado a lado!
Mas que perfume teria
a gruta invisa? que visgo,
que estreitura, que doçume,
que linha prístina, pura,
me chamava, me fugia?
Tudo a bela me ofertava,
e que eu beijasse ou mordesse,
fizesse sangue: fazia.
Mas seu púbis recusava.
Na noite acesa, no dia,
sua coxa se cerrava.
Na praia, na ventania,
quando mais eu insistia,
sua coxa se apertava.
Na mais erma hospedaria
fechada por dentro a aldrava,
sua coxa se selava,
se encerrava, se salvava,
e quem disse que eu podia
fazer dela minha escrava?
De tanto esperar, porfia
sem vislumbre de vitória,
já seu corpo se delia,
já se empana sua glória,
já sou diverso daquele
que por dentro se rasgava,
e não sei agora ao certo
se minha sede mais brava
era nela que pousava.
Outras fontes, outras fomes,
outros flancos: vasto mundo,
e o esquecimento no fundo.
Talvez que a moça hoje em dia...
Talvez. O certo é que nunca.
E se tanto se furtara
com tais fugas e arabescos
e tão surda teimosia,
por que hoje se abriria?
Por que viria ofertar-me
quando a noite já vai fria,
sua nívea rosa preta
nunca por mim visitada,
inacessível naveta?
Ou nem teria naveta...
Carlos Drummond de Andrade
(eu sei q já percebeste q gosto da poesia dele :p)
Mas tb gosto do Vão Gogo:
ResponderEliminarPoesia Matemática
“Às folhas tantas
do livro matemático
um Quociente apaixonou-se
um dia
doidamente
por uma Incógnita.
Olhou-a com seu olhar inumerável
e viu-a do ápice à base
uma figura ímpar;
olhos rombóides, boca trapezóide,
corpo retangular, seios esferóides.
Fez de sua uma vida
paralela à dela
até que se encontraram
no infinito.
“Quem és tu?”, indagou ele
em ânsia radical.
“Sou a soma do quadrado dos catetos.
Mas pode me chamar de Hipotenusa.”
E de falarem descobriram que eram
(o que em aritmética corresponde
a almas irmãs)
primos entre si.
E assim se amaram
ao quadrado da velocidade da luz
numa sexta potenciação
traçando
ao sabor do momento
e da paixão
retas, curvas, círculos e linhas sinoidais
nos jardins da quarta dimensão.
Escandalizaram os ortodoxos das fórmulas euclidiana
e os exegetas do Universo Finito.
Romperam convenções newtonianas e pitagóricas.
E enfim resolveram se casar
constituir um lar,
mais que um lar,
um perpendicular.
Convidaram para padrinhos
o Poliedro e a Bissetriz.
E fizeram planos, equações e diagramas para o futuro
sonhando com uma felicidade
integral e diferencial.
E se casaram e tiveram uma secante e três cones
muito engraçadinhos.
E foram felizes
até aquele dia
em que tudo vira afinal
monotonia.
Foi então que surgiu
O Máximo Divisor Comum
freqüentador de círculos concêntricos,
viciosos.
Ofereceu-lhe, a ela,
uma grandeza absoluta
e reduziu-a a um denominador comum.
Ele, Quociente, percebeu
que com ela não formava mais um todo,
uma unidade.
Era o triângulo,
tanto chamado amoroso.
Desse problema ela era uma fração,
a mais ordinária.
Mas foi então que Einstein descobriu a Relatividade
e tudo que era espúrio passou a ser
moralidade
como aliás em qualquer
sociedade.”
Já do Hugo...