segunda-feira, 12 de maio de 2014

Não sou adepto de teorias da conspiração e fontes bem colocadas garantem-me: tudo isto é mera alucinação colectiva. Aparentemente vivemos hoje dias de engolir pesadelos, mas temos um longo futuro para os digerir. Os sobreviventes


Philippe Legrain:

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Podemos vê-lo claramente em Portugal: a troika (de credores da zona euro e FMI) que desempenhou um papel quase colonial, imperial, e sem qualquer controlo democrático, não agiu no interesse europeu mas, de facto, no interesse dos credores de Portugal. E pior que tudo, impondo as políticas erradas. Já é mau demais ter-se um patrão imperial porque não tem base democrática, mas é pior ainda quando este patrão lhe impõe o caminho errado. Isso tornou-se claro quando em vez de enfrentarem os problemas do sector bancário, a Europa entrou numa corrida à austeridade colectiva que provocou recessões desnecessariamente longas e tão severas que agravaram a situação das finanças públicas. Foi claramente o que aconteceu em Portugal. As pessoas elogiam muito o sucesso do programa português, mas basta olhar para as previsões iniciais para a dívida pública e ver a situação da dívida agora para se perceber que não é, de modo algum, um programa bem sucedido. Portugal está mais endividado que antes por causa do programa, e a dívida privada não caiu. Portugal está mesmo em pior estado do que estava no início do programa.

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Se pensarmos bem, o que a Alemanha, a Comissão e as instituições da UE em geral fizeram foi abusar do facto de Portugal e Grécia quererem desesperadamente ser europeus e estarem aterrados com o que lhes poderia acontecer se saíssem do euro e por isso puderam impor-lhes condições muito injustas. É um pouco como um marido violento que bate na mulher e que sabe que pode continuar porque ela ainda gosta dele e porque tem medo de o deixar.

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Não é verdade que os aumentos salariais no sul da Europa foram excessivos nos anos pré-crise. Em termos de peso no PIB, os salários até caíram. Por isso não é verdade que esta foi a causa da crise, não é verdade que os salários precisavam de ser reduzidos. Só que esmagar salários provoca o colapso do consumo, agrava a recessão e agrava o peso da dívida, porque se os salários baixam, é mais difícil pagá-la.


Aqui.

A entrevista merece ser lida na íntegra. Confirma e ilustra, de forma clara e incisiva, o mecanismo que regula o funcionamento interno da UE: uma máquina que mistura a crueldade do jogo das cadeiras com países, e a etiqueta cínica e lúbrica de um baile de máscaras em palazzo veneziano renascentista. A ganância oleia as rodas dentadas. O afrodisíaco que é o poder fornece a energia necessária à combustão.

Uma breve comparação evidencia que instituições nacionais, líderes de opinião, e de partidos do "arco governamental", mimetizam comportamentos e discursos, "narrativas", como é hoje de uso dizer-se. O tecido produtivo e os agentes económicos resultarão destroçados, mas que importa isso quando podemos ter uma banca saudável, resistente aos testes de stress. Não é assim António Horta Osório?

O Homem de Palha, a Fada Sininho, o Funambulista, o Robin, mais o Boneco de Ventríloquo, todos obedecem, sem reservas, a mestres titereiros. The show must go on.


«Não no dá a pátria, não, que está metida
no gosto da cobiça e na rudeza
Duma austera, apagada e vil tristeza.»



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