segunda-feira, 27 de maio de 2013

Uma crónica de Arnaldo Jabor


Nosso macho feliz é casado consigo mesmo
 

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Nos meus 20 anos, meu ídolo era o James Bond, bonito, corajoso, entendendo de vinhos e de aviões supersônicos, comendo todo mundo de smoking. Mundano? Sim, mas mesmo o Bond se esforçava, pois tinha a missão de salvar o Ocidente. Era um trabalhador incansável que merecia as louraças que papava.


Hoje não. Nossos heróis masculinos não trabalham. A mídia nos ensina que os heróis da felicidade não têm ideal algum a conquistar, a não ser eles mesmos. A felicidade virou uma autoconstrução de sucesso... de bom desempenho. O solitário feliz suga o prazer em cada flor, sem conflitos, sem dor sem afetos profundos mas sempre com um sorriso simpático e congelado. O herói feliz passa a idéia de que não precisa de ninguém, de que todos são objeto de seu desejo de que todos podem ser prisioneiros de seu charme; mas ele, de ninguém. A felicidade moderna é o consumo do outro. Para o herói da mídia, o mundo é um grande pudim a ser comido, sem nada a se dar em troca. Meu homem feliz pode ter todas as mulheres, mas é casado consigo mesmo. Não pensem que estou criticando isso; estou é com inveja desta leveza de ser, dessa ligeireza. Ligeireza é a palavra — velocidade nas vivências e relações.

Assim como a mulher da mídia deseja ser um objeto de consumo, como um eletrodoméstico, quer ser um avião, uma "máquina" peituda, bunduda, sexy (mesmo se fingindo), também o homem da mídia deseja ser "coisa", só que mais ativa, como uma metralhadora, uma Ferrari, um torpedo inteligente e, mais que tudo, um grande pênis voador, um "passaralho" super-potente, mas irresponsável e frívolo, que pousa e voa de novo, sem flacidez e sem angústias. O macho brasileiro tem pavor de ser possuído por uma mulher. Não há a entrega; basta-lhe o "encaixe". O herói macho se encaixa em heroína fêmea B e produzem uma engrenagem , repleta de luxos e arrepios, entre lanchas e caipirinhas, entre jet-kis e BMWs, num esfuziante casamento que dura três capas de Caras. E, ainda por cima, atribuem uma estranha "profundidade" a esta superficialidade porque hoje, esse diletantismo tem o charme de uma sabedoria "pós-utópica".

Meu homem moderno tem orgasmos longos, ereções vítreas e telescópicas, sem trêmulas "meias-bombas", meu homem feliz é bem informado e cínico, meu homem conhece bem as tragédias modernas, mas se lixa para elas, não por maldade, mas por uma crua "maturidade", um alegre desencanto. Meu homem vive em velocidade. O mundo da internet, do celular, do mercado financeiro global imprimiu-lhe seu ritmo, dando-lhe o glamour de um funcionamento sem corrosão, uma eterna juventude que afasta a morte.

Meu homem é antes de tudo um forte, mas um negador. Para ser feliz é necessário negar, denegar, renegar problemas, esquecer as tristezas do mundo. Esta é a receita de felicidade: não pensar em câncer, nem em angústia, nem na miséria do povo. 


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Excerto de crónica na compilação: Amor é Prosa Sexo é Poesia
 

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